Tião Nascimento

Palavras não machucam mas sim o modo de dize-las  s"

Textos

JANJÃO
                                          

JANJÃO era  gente fina. Sempre labutou pela porca da vida. Fez  filhos, um montão, mas são prazeres mesmo sendo uma faca de dois gumes. Mas Janjão nunca  deixou a peteca cair. Se camuflava de pobre remediado e as vezes ate de rico e assim mantinha  a sua casa suprida  do “dicomê”, necessidade básica do ser  humano. Eis a novidade: Se os políticos descobrissem isso, que  alimentação, moradia e saúde, além da educação ,são necessidades básicas para a sobrevivência do ser  humano, acho que nunca mais perderiam essa tal de política. Esquece. Voltemos ao Janjão.
Janjão já contava uma prole difícil de sustentar. Oito e olhem que  o mais velho, aliás a mais velha, era  uma mocinha, aproximava dos 17 anos. E não era só uma mocinha. Tinha uma de 16, outra de 15 e ia por aí. Mas Janjão não desanimava. Dava seus pulos e estudava a “cambada”. Vesti-os, calçava-os e lhe dava remedinhos quando  necessário. Chorava  nos encontros de grupos altruístas, religiosos ou não e  estava sempre rodeando as farmácias públicas para aviar uma  ou outra receita que vinham também de serviços públicos.
Janjão tinha seus macetes. Já que era contra o uso de camisinha e o aborto, deixava a família crescer. Ficar sem cutucar a fruta não ficava mesmo. Enquanto sua “ nega”  tivesse atrativos  e curvas salientes  ele não ia bengar. De  jeito nenhum !  Trocava de grupos, trocava de religião, o que hoje é fácil pelo excesso de igrejas,  e Janjão procurava sempre onde estava saindo  sextas básicas ou outros benefícios que seu salário não dava conta. Ganhava roupas, calçados, inclusive para ele próprio e para sua mulher . É com grãos  que se agarra pombo  – dizia - E Janjão era o  pombo apesar de não ter asas para voar  . Bom de papo e convincente, Janjão conseguia  tomar sua cervejinha ou cachacinha, isto quando estava num grupo não evangélico, o popular crente, e ainda  tinha a liberdade  de mandar pendurar.
Mas  o tempo freou Janjão. Justamente  quando  se preparava para ser pai pela nona vez  Janjão teve  um desarranjo existencial . Uma tempestade derrubou metade do seu barraco e a prefeitura não tinha dinheiro para lhe ajudou na reconstrução. Na redução de custos médicos públicos tornou-se escasso. A farmacinha pública com prateleiras vazias e os grupos religiosos, as igrejas, já não acreditavam  no Janjão. E na correria ,pelo pão de cada dia para os nascidos e preparação para  o a nascer, Janjão andou faltando ao trabalho, onde lhe pagavam  apenas o mísero salário  mínimo, mas era alguma coisa.  E daí perdeu o emprego. “ Miséria pouco é bobagem” - pensava.
Janjão não esmoreceu.  O Nono vai nascer feliz como nasceram os outros, dizia ele. E até gostou da expressão decimal e definiu que se fosse  homem se chamaria Nono. E nasceu e era macho. Janjão queria comemorar. Comprou um litro de cachaça desdobrada, muito comum nos nosso botecos e não  sobrou dinheiro para  o tira-gosto. Pensou  a tarde inteira  e tomou uma decisão. Por volta da madrugada entrou no quintal  do  vizinho e afanou um frango. O frango não gostou e fez alarido. Deu polícia, rádio patrulha e cadeia.
Longa vida honesta, de trabalho, de luta, agora preso. Um frango só para comemorar a chegada do  Nono. “Eu pago depois”  – gritava ele. Mas  o dono dos frangos  não perdoou a atitude de Janjão e gritava de lá – Pró Juiz
Janjão chegou lá humilhado por  um par de algemas. E  o Juiz  lhe perguntou severamente e lhe censurou;
- Então , Seo Janjão, que coisa feia. Roubar frango do seu vizinho!
            Dos olhos de Janjão as lágrimas desceram e lhe molharam as palavras.
-  Dotore, eu só queria  festejar a chegada do Nono.
TiaoNascimento
Enviado por TiaoNascimento em 04/03/2007


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